domingo, 26 de abril de 2009

segue! segue! segue!

Durante a caminhada e numa das imensas vezes que decidimos tornar-nos independentes e autónomos (em calão "M*r*a, estamos perdidos!")...
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Eu - Ó TZ, pergunta aí a essa senhora se viu alguém passar.
(Aqui entra a senhora do 129. De idade avançada, cabelos brancos, sentada à porta de casa e virada para a rua. Ora se o restante grupo tivesse seguido aquele caminho certamente não passariam despercebidos.)
TZ - Bom dia! Desculpe, por acaso não viu passar um grupo de pessoas por aqui?
(Sim, convém especificar porque a terrinha tinha todo o ar de quem só vê carros e pessoas na altura dos emigrantes e cabras era coisa que não faltava por aquelas bandas. Vai que só falávamos em grupo e ela nos mandava atrás de cabras? Ao que sabíamos havia muitos elementos do sexo feminino na caminhada mas não costumamos julgar as pessoas antes de as conhecer.)
129 - Não. Não vi ninguém por aqui.
TZ - Ok. Obrigado na mesma.
(Já a andar...)
Eu - Pode ser que a senhora esteja ali há pouco tempo.
TZ - E achas que já nos levam assim um avanço tão grande?
Eu - Ou isso ou estamos perdidos. Prefiro a primeira.
129 - Olhe, se calhar foram por aquela rua ali em baixo de alcatrão que é melhor.
Eu (para o TZ) - Estamos lixados. Viemos pelo lado errado.
TZ (para a 129) - Mas fica muito longe?
129 - É já aqui em baixo.
TZ - E esta vai dar a muito longe da outra?
129 - Ao mesmo sítio.
(cara de parvos)
129 - Mas a de baixo é melhor. É de alcatrão. Esta é de paralelos.
(Jura?)
TZ (para a 129) - Ok. Obrigado mais uma vez.
(De novo a andar...)
129 (já a falar mais alto) - Realmente não vi ninguém a passar. Não vi não. Não passou por aqui ninguém.
(Eu não disse que ninguém passava por esta terrinha?)
Eu (para o TZ) - Agora a senhora vai ficar a falar até deixar de nos ver.
TZ - E a dar indicações.
Eu - E a contar coisas que não têm nada a ver!
TZ - E vai-se lembrar de quando era pequenina e "Um dia fui pela estrada de baixo. Ia sempre pela de cima mas era rebelde e um dia enchi-me de coragem e assim mesmo à ganância meti-me em aventuras e fui pela de baixo. É que a de cima conhecia eu porque passa aqui à minha porta mas a de baixo passa mais abaixo e já só apanha a porta do sr. Alfredo aqui do lado e um bocadinho do muro que faz um redondo da eira da dona Maria que era mãe daquela mocinha que foi lá pras franças e que passou a vir só nas férias grandes que foi quando conheceu o filho do Quim da mercearia que antigamente vendia fiado mas como agora o reumático ataca mais e estas mudanças de frio-quente-frio-quente-frio-quente-frio-assim assim-quente mas com vento-chuva acabou por pôr o sobrinho à frente daquilo porque como o filho casou e foi para fora não tinha mais ninguém..." Depois pára para respirar, a pele passa de roxa a mais ou menos normal e lá vai ela. "E não é que o desgraçado do catraio se lembrou de começar a cobrar os fiados e foi prai um zum-zum-zum que ele devia andar metido na droga para precisar de dinheiro ou tinha mulheres escondidas para sustentar e família por fora. Isto já não há em quem confiar que é tudo uma gatunagem. Era haver outra vez a PIDE e o Salazar que eles não faziam disto! E quer-me parecer que esta rua aqui não está em alcatrão porque esse diabo de rapaz levou o dinheiro todo e ninguém me tira da ideia que muitas das pessoas daqui foram embora por terem deixado isto em paralelos. Um bocadinho de alcatrão aqui e era ver as crianças aí felizes! Mas ia eu a dizer que fui um dia pela rua de baixo sem imaginar que perigos andavam ali à espreita. Esses bandidos que levantam as saias às catraias e lhes vêem o saiote e depois espalham à porta da igreja, no final da missa, e depois quem as quer? Ficam elas com a honra manchada quando são eles os gatunos! Também deve ter sido por isso que muitos foram embora, para algum sítio onde não saibam da história. É o que me quer parecer... A mim não que eu estava habituada a andar com as cabras no monte e sabia bem dar conta desses animais. Mas lá fui eu. Era um domingo de manhã e fui. Não tive medo nenhum que eu não tinha medo de nada. Andei, andei... que eu era rebelde na altura. Mas não, não vi ninguém a passar por aqui!"
Eu - Olha, ainda oiço a senhora!
TZ - Foi o acontecimento do dia para ela.
Eu - Da semana.
TZ - Do mês.
Eu - Do ano.
TZ - Da vida.
Eu - Da vida não. Isso foi ter ido pela rua de baixo.
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E foi mais ou menos assim. Se tivermos em conta o sono, o sol, a subida e o facto de estarmos perdidos se calhar não foi bem assim mas eu quero pensar que sim.
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129 era o número da porta da senhora. Ela existe.
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"Ó TZ, não faças barulho pra ver se ouvimos alguma coisa!" "Aaaaaaaaaaatchiiiiiiiiiiiimmmmmmmmmmmmm!"
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Se querem fazer caminhadas em grupo tentem fazer parte do grupo! Para isso nada mais eficaz que chegar a horas e não inventar caminhos pelo meio do monte e que passam por detrás do quintal da senhora que corta a relva ao domingo de manhã.
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Para a próxima perdemo-nos de novo, TZ!

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