A memória fascina-me. Conseguimos recordar, durante toda a vida, pessoas, cheiros, sentimentos, palavras que por algum motivo nos marcaram. De vez em quando alguma coisa desperta uma memória que estava adormecida, e recordamos tudo tão nitidamente como se tivesse sido ontem. E a meio de uma conversa ficamos com aquele sorriso parvo porque o que alguém disse nos fez voltar atrás no tempo e reviver vertiginosamente um episódio feliz. Outras coisas, que poderiam até ter mais relevância, teimam em não subir à superfície e nunca estão na "ponta da língua". Recordo-me, por exemplo, que no ciclo tinha uma professora de Inglês que cheirava sempre a flores. Nascida em África do Sul, criada em Inglaterra e amadurecida em Portugal. Lembro-me quando chegou um dia à sala a chorar porque o cão tinha morrido. Lembro-me de ter quase chorado com ela. E de que, quando era pequenina, ficava sempre à janela à espera que os meus irmãos chegassem sempre com medo que lhes tivesse acontecido alguma coisa. Lembro-me de ir a casa de uma amiguinha da primária e do bolo que comi e não gostei. Lembro-me que a professora batia nas mesas com uma régua para fazermos pouco barulho e da única vez que senti a força da madeira na minha mão, sem culpa. Lembro-me da pão com manteiga e do leite achocolatado que comia no intervalo da escola. E que gostava de beber um bocadinho depois de cada trinca. Lembro-me da coreografia de uma festa de fim de ano da escola e das peças de teatro de fantoches que escrevíamos e encenávamos. Lembro-me de correr descalça como se estivesse calçada. Lembro-me do meu irmão e da tristeza ter chegado e se ter instalado. Lembro-me de ter sujado o meu vestido da comunhão com um gelado de amoras mas de não ter ficado triste porque o gelado foi a melhor prenda que me deram e soube bem. Soube a amizade. Lembro-me de não querer ir para casa dos meus padrinhos porque não queria estar longe da minha casa. Lembro-me de pegar no meu cão ao colo, depois de ter sido atropelado, e de o trazer para casa em vez de ir para a escola. Lembro-me de ter chorado durante uma semana. Lembro-me da minha avó no portão à espera que passássemos a caminho de casa e do sabor do chá com pão que comíamos na altura. Nunca mais soube ao mesmo. Lembro-me de 3 litros de leite que não queríamos estragar e da mousse que decidimos fazer. Lembro-me de tardes passadas na varanda e da curiosidade sobre quem estaria do outro lado. Recordo-me de te ter visto a dormir no sofá e da impressão que me provocaste. Recordo-me de alturas em que me senti muito envergonhada, ou muito feliz ou muito triste.
A memória... "Do you remember when we first met? I sure do..."
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Não me esqueço das pessoas que já passaram pela minha vida e me dedicaram um sorriso.
Não me esqueço de te ter sempre na memória.
Não me esqueço da primeira conversa que partilhámos.
Não me esqueço de como sou feliz.
Não me esqueço que sabes que não gosto de receber flores.
Não me esqueço de como amadureci com vontade.
Não me esqueço que serei sempre a "pequenina".
Não me esqueço de como gostei do nosso concerto e das músicas que fizeram sentido.
Não me esqueço que não temos culpa de haver quem não goste.
Não me esqueço da festa a que não fui.
Não me esqueço de como gosto de andar descalça em nossa casa.
Não me esqueço nunca das corridas com o meu irmão.
Não me esqueço do sabor das amoras apanhadas no monte.
Não me esqueço de me dedicar à amizade.
Não me esqueço de me embalares no teu colo quando tudo parecia correr mal.
Não me esqueço de cada semana que passa.
Não me esqueço da cama de rede da varanda.
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